As mudanças começam quando você se importa
Por Andréia Peres
O Enfrentamento da Violência Contra a Mulher. Esse foi o tema do Fórum que participei no Instituto Sedes Sapientiae. A palestra aconteceu num dia emblemático, 15 de março, algumas horas depois do assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio de Janeiro, e de seu motorista, Anderson Gomes.
Na mesa, além de mim, estavam as psicólogas Dalka Chaves de Almeida Ferrari, coordenadora geral do Centro de Referência às Vítimas de Violência (CNRVV) do Instituto Sedes Sapientiae, Arlete Salgueiro Scodelario, também do CNRVV e Suzana Alves Viana, professora e supervisora do curso de formação em psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Maria Laura Canineu, diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch, deveria participar do debate, mas não pôde comparecer, pois foi ao Rio de Janeiro para o velório da vereadora. Marielle foi lembrada. Também estava presente com a sua luta. Ou melhor, a nossa luta.
O enfrentamento da violência contra a mulher passa pelo empoderamento. Um trabalho que pautou a vida de Marielle e de outras militantes de direitos humanos.
Precisamos de representatividade, de modelos. É necessário reforçar a autoestima das mulheres. Sabe-se que a baixa autoestima deixa as mulheres mais vulneráveis à violência doméstica, por exemplo.
Ao longo de mais de 30 anos de carreira como jornalista já entrevistei dezenas de vítimas, de todas as classes sociais. Boa parte delas ainda se sentia culpada pela violência, o que ainda é mais cruel.
Talvez por isso, para enfrentar a violência contra a mulher precisamos de representatividade, de modelos, como a Marielle, além de reforçar a autoestima feminina. Também devemos propagar cada vez mais que a violência contra a mulher é crime. E como tal deve ser denunciada e punida. Parece óbvio, mas infelizmente, para muitos, ainda não é.
Outro dia, li um post indignado – e com razão – da juíza Andréa Pachá. Ela falava de uma matéria num grande portal da internet que, ao se referir ao estupro de uma garota de 12 anos pelo padrasto, mencionou que os “encontros amorosos” entre ambos aconteceram na casa dela. É isso mesmo que você leu. A matéria se referia ao estupro de uma criança como “encontros amorosos”.
Absurdos como esse não podem passar em branco. E, felizmente, não passam. Graças à repercussão do post da juíza e da indignação que ele provocou em centenas de pessoas, a matéria foi editada dois dias depois. O título que antes era “Sexo entre menina e padrasto ocorria com a mãe em casa” mudou para “Estupro de menina pelo padrasto ocorria com a mãe em casa”.
Não podemos tolerar a violência contra a criança, a violência contra a mulher. Não podemos tolerar qualquer tipo de violência. Como profissionais e cidadãos, temos a obrigação de enfrentar e combater a violência. E isso implica – no caso da violência contra a mulher, por exemplo – em não tolerar abordagens preconceituosas e equivocadas na mídia. Precisamos estar atentas às palavras, ao modo de expor e de falar da mulher.
Temos ainda a obrigação de educar as novas gerações para a equidade de gênero e de raça/etnia. Lembro que há muitos anos pesquisas da Fundação Carlos Chagas chamaram a atenção para as disparidades de gênero em cartilhas. As mulheres estavam sempre de avental e, quando muito, na soleira da porta. Os homens apareciam em casa, lendo jornal, ou na rua.
Fiz recentemente um manual de comunicação para a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, o “Primeira Infância em Pauta”, e uma das orientações dadas é justamente a de não disseminar preconceitos e estereótipos nas imagens e nos textos. E sempre que falar de violência mostrar quais direitos estão sendo violados. A violência contra uma mulher não atinge só a vítima, mas sim todos nós, pois viola direitos humanos básicos e universais. E essa é uma perspectiva que precisa estar presente, sim, quando falamos dela.
Li há algum tempo num relatório internacional do UNICEF que as mudanças começam quando você escolhe se importar. Acredito nisso.
Andréia Peres, jornalista, é diretora da Cross Content.